terça-feira, 3 de junho de 2008

Um Aprendizado


Belo Horizonte,
Sol quente,
Enrascada,
Verão de 2008,
Sob a regência do signo de Virgem.


A Luta.

Perdeu alguma coisa, algo está fora do lugar.
Algo aconteceu que fez ele deixar para traz aquele jeito de ser belo e ingênuo.
Foi um fogo que caiu de repente, uma chuva que não passou, um vento que não pára, uma goteira que não tem fim, uma árvore que não morre, mas que também não pára de dar fruto.
O desejo escondido no canto da boca cria força e vira remedinho homeopático para ele ir suportando os dias.
De corpo grande, cabelos castanhos (que, por sinal, nestes últimos dias tem acelerado o seu processo de calvície e caíram muito).
Continua gostando de ouvir o barulho do mar.
Nunca foi de ter muito medo, aos 23 descobriu que a vida era agora diferente, tirou tudo que era máscara, mergulhou lá dentro de si em um exercício forçado, doloroso, cheio de lágrimas, mas libertador, que espalhou medo para si mesmo e para seus entes queridos.
Tirou cada coisa do seu lugar, fez pessoas ficarem acordados por durante dias e quando dormia era para ter pesadelos.
Viveu por dias com a certeza que não tinha rumo, perdeu-se em si mesmo, viu o tal do pranto de perto, rasgou bilhetinhos, pois já não acreditava em mais nada, esperou o telefonema de quem ele esperava o amar e não tocou e assim foi e assim tem sido.
Olha, é uma dor insuportável que invade o coração gente. Ele espera, espera ter forças para em um futuro breve reinventar a vida.
Uma ferida aqui, a cicatriz, outra ali. Nada que um óculos escuro não resolva e a gente finge estar tudo bem, tudo bem.

domingo, 1 de junho de 2008

Criação


Estava em casa naquela ociosidade tão boa, e comecei a me fazer um monte de perguntas, como se estivesse no banco de um analista. Resolvi escrever, achei que tinha a ver com este espaço.

Então, compartilhem comigo. As minhas idéias para o meu teatro sempre me vêm como uma experiência de alegria, mesmo que os meus personagens sejam tristes. Ela aparece repentinamente, nos momentos mais inesperados, como uma visão de uma imagem. O que tento fazer é simplesmente pintar com alguns sentimentos a cena que se configurou na minha imaginação.

Sou ator, meu trabalho se baseia na escuta. Cada animal, pessoa, natureza, objeto que “trombo” eu escuto e registro, depois vou de encontro com esse material e aí, sim, ele ganha alma.
Fico pensando que o trabalho do ator não é o de alguém que vê coisas que ninguém vê. O que ele faz é simplesmente iluminar com os seus olhos aquilo que todo mundo vê e não dá conta. E espera do espectador que compartilhou daquela visão com ele que saia dali com a abertura de mais um caminho.

Uma caminhada com destino ao não-dito


O trabalho de hoje é uma caminhada que se apóia em recursos performáticos para o seu desenvolvimento. O condutor foi o pesquisador obscênico Clóvis, que anunciou mais ou menos os seguintes princípios:

“Nós vamos sair daqui desta sala, para uma caminhada, onde não sabemos ainda aonde ir, vamos nos comunicar por meio de outro viés, não vamos falar. Saindo daqui, cada um observe o lixo da rua e recolha aquilo que de alguma forma lhe chamar atenção”.

E assim foi:

O centro da cidade de Belo Horizonte.
As calçadas.
Lançar um olhar no lixo urbano, um barulho imenso: buzina de carro, sirene de polícia e ambulância, gritos, choro de crianças, latido de cachorro, desabafo de trabalhadora cansada...
Bilhetinhos, homens e mulheres jogados pelo chão feito “lixo humano”, o descaso.
A publicidade invasiva.
O saco de pipoca, o galho da árvore, a sujeira, a rodela de limão, as bitucas de cigarro, as flores, os vários saquinhos de pipocas e chips, o curativo rasgado, o adesivo comprovando os doadores de sangue, os panfletos anunciando as palavras da Bíblia...

De alguma forma, todo este percurso me remeteu ao documentário “ Estamira”, que tem como protagonista Estamira Gomes de Sousa, ex-catadora de lixo do aterro sanitário Jardim Gramacho, o maior da América Latina.

Os elementos que me fizeram remeter a pesquisa do Obscena (que chamei de “Caminhada com destino ao não dito”) a esta “ filósofa”(Estamira) foram: o lixo urbano, as profecias escritas nos papéis que peguei na rua, as falas que eu comecei a ouvir e depois eram cortadas ao meio, a figura da Lica (pesquisadora obscênica, que fez o seu trajeto/caminhada, com um pau enorme na mão pelo centro de BH, quase uma Antônia Conselheira), o cheiro dos bueiros... todos esses elementos de alguma forma estão presentes tanto no documentário “Estamira” como nesta “caminhada com destino ao não dito”, realizada pelo agrupamento Obscena.

Estamira é a mulher que busca a sua sobrevivência por meio das montanhas de lixo; os obscênicos foram os pesquisadores que se apoiaram em recursos performáticos e lançaram um olhar no lixo urbano para almejar um modelo não-representacional.